Sexta, 30/05/2025, 08:00
Reportagem especial destaca a era digital e o uso da tecnologia como ferramenta de revolução econômica e, principalmente, para preservar e dar visibilidade à cultura, vivências e luta dos povos indígenas na Amazônia, em especial no Pará.
Mesmo sendo o mais jovem das aldeias Turiwara de Tomé-Açu, no Pará – Paulo Nailzo, de 30 anos, tem consciência da sua responsabilidade após assumir a liderança do seu povo depois do pai ser morto por fazendeiros há três anos.
Na aldeia Braço Grande, no nordeste paraense, que conta com 34 moradias e mais de 100 indígenas, a utilização da tecnologia já é uma realidade no dia a dia da comunidade. De um lado, crianças, adolescentes e jovens registram atentos a rotina do seu povo, principalmente em dias de eventos e encontros que celebram a cultura, a identidade e a troca de saberes indígenas. Do outro, anciãos e lideranças acompanham de perto o avanço e a influência tecnológica dentro das aldeias. No entanto, antes mesmo do primeiro contato, o cacique Paulo ressalta que eles “precisam saber que são indígenas, que têm uma cultura, uma raça, costumes, para que nem a tecnologia e nem o discurso de fora tirem isso deles, para quando chegarem em qualquer lugar tenham orgulho de serem indígenas”.
Cacique Paulo Nailzo destaca a importância da tecnologia nas aldeias indígenas.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
A antropóloga e socióloga Ana Manoela Karipuna avalia que a presença da tecnologia, através do uso de aparelhos eletrônicos como celulares, tablets e notbooks, e consequente o acesso à internet e redes sociais, são fatores que colaboram para o fortalecimento da comunicação entre os povos indígenas e não indígenas.
Ana Manoela Karipuna aponta os avanços tecnológicos para a comunidade.
Foto: Arquivo pessoal
“Um exemplo são as páginas virtuais de mídias indígenas que vêm se fortalecendo nos últimos anos. Temos jornalistas indígenas e criadores de conteúdo, que por meio de posts e vídeos desenvolvem explicações que quebram estereótipos colonialistas que as pessoas possuem a respeito dos povos originários. Também por meio da internet, estes comunicadores reverberam explicações a respeito de pautas que são relevantes para o movimento indígena da atualidade, como o Marco Temporal e as emergências climáticas. Através da internet, as comunidades indígenas podem ter acesso a serviços e informações, realizar reuniões de organizações indígenas, se comunicar com parentes que moram distantes. Nas redes sociais, há páginas de associações e articulações indígenas que expressam sua história e serviços, ações e parcerias que vêm realizando junto aos territórios. Há sites que hospedam dicionários indígenas, pesquisas científicas e filmes feitos em parcerias entre povos indígenas, universidades e ONGs”, detalha Ana Manoela Karipuna.
Maria Raimunda Sousa Tembé, de 33 anos, está entre os 11 indígenas que foram capacitados pela Hydro e expuseram suas fotografias durante evento realizado na aldeia Braço Grande. Mãe de Bruna e Bruniele, de 18 e 15 anos, respectivamente, e ciente do seu compromisso de “liderar um povo”, como ela mesmo classifica, a indígena aponta as dificuldades, mas também destaca a importância dos avanços tecnológicos para a comunidade.
Mostra de fotografia realizada pela comunidade indígena.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
Capacitação promovida pela Hydro resulta em mostra fotográfica.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
Os aparelhos e mídias digitais são ferramentas que podem fortalecer a cultura, tendo em vista que permitem que a própria comunidade registre com mais frequência seu cotidiano, hábitos, rituais ou até mesmo tarefas do dia a dia, tornando mais acessível, potencializando e expandindo a divulgação de suas tradições e vivências. Foi o que aconteceu na mostra “Um olhar Turiwara sobre si”, que contou com a participação e o trabalho de 11 indígenas que puderam retratar e registrar suas experiências a partir de seu modo de vida.
Vídeo: Mídia Turiwara de Tomé-açu e Vale do Acará/reprodução/Instagram
A capacitação – que aliou tecnologia e tradição – foi promovida pelo Fundo Hydro com o objetivo de incentivar e proporcionar que a própria comunidade indígena desenvolva suas potencialidades, como explica Mauro Drumond, gerente de responsabilidade social da Hydro.
Criança registra o dia a dia do seu povo.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
Indígenas registram suas experiências em mostra fotográfica.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
Começou com uma escuta genuína, uma escuta ativa e que está nos proporcionando fazer um trabalho em conjunto com a comunidade. Sempre vamos falar de qualificação, de educação, de construir juntos. Essa capacitação traz um olhar para que eles possam se enxergar, identificar suas potencialidades e habilidades, que possam usar isso para gerar renda, mostrar e compartilhar toda a riqueza que eles têm.
A jovem indígena Daiana Rodrigues de Sousa Portilho, de 27 anos, foi uma das participantes da exposição fotográfica. Para ela, a melhor experiência foi perceber a visão que o próprio povo tem sobre si. “Aprendemos muitas técnicas e estamos colocando em prática no nosso dia a dia, dentro da nossa cultura, da nossa aldeia, na nossa mídia indígena Turiwara. Outra pessoa de fora enxergar a gente, é um olhar. Agora nós, aqui dentro, enxergarmos do nosso modo, é totalmente diferente. Trazer essa tecnologia para dentro da nossa aldeia, para a nossa vida, foi muito importante. É um reconhecimento tanto territorial quanto de fora. É uma oportunidade também de mostrarmos nossa cultura, nossas tradições e vivências”, destaca ela.
Daiana Rodrigues destaca importância de mostrar sua cultura através da tecnologia.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
A antropóloga e socióloga Ana Manoela Karipuna evidencia que o acesso às tecnologias empoderam a comunidade indígena no que diz respeito à informação e divulgação das culturas dos povos originários.
“Fotografias e filmagens feitas por um indígena expressam a forma como quer comunicar uma narrativa, como quer comunicar suas experiências a partir de seu modo de vida, como quer ser percebido. Isso é uma forma de conservação dos conhecimentos indígenas”, afirma Karipuna.
Maria Raimunda Sousa Tembé foi uma das participantes da capacitação fotográfica.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
“É um compromisso muito grande. É liderar um povo, uma comunidade, é uma grande responsabilidade. Além da minha, tenho outras famílias para cuidar também. A tecnologia tirou um pouco a concentração da juventude, mas também veio para melhorar. No curso de fotografia nós aprendemos muito, aprendemos a usar a tecnologia. O que a gente mostrava para o público só em forma de evento, hoje através do celular, por exemplo, a gente consegue mostrar a nossa cultura, nossas tradições e vivências, nosso artesanato”, pontua Maria Raimunda Sousa Tembé.
Em um mercado cada vez mais conectado, a tecnologia chega também como uma grande aliada para dar voz às comunidades indígenas brasileiras, assim como no crescimento dos pequenos negócios. Com o avanço das ferramentas digitais, é possível otimizar processos, reduzir custos, alcançar novos mercados e tomar decisões mais estratégicas baseadas em dados.
Comunidade indígena no Pará acompanha cenário de modernização e mudanças tecnológicas.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
É certo que a pandemia de Covid-19 acelerou significamente a transformação digital, bem como redefiniu o comportamento do consumidor e consolidou o ambiente digital como um canal estratégico para artesãos, pequenos e grandes empreendedores. As redes sociais, por exemplo, já usadas pelos povos indígenas, são vitrines poderosas para divulgação de produtos, construção de relacionamento com o público, além de fortalecimento de uma marca de forma direta e personalizada, como destaca Rubens Magno, diretor superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PA).
“As plataformas de e-commerce, redes sociais, inteligência artificial e sistemas de gestão têm democratizado o acesso a recursos que antes eram restritos a grandes empresas. Não podemos esquecer que a tecnologia oferece aos pequenos negócios ferramentas acessíveis e eficazes para crescer de forma sustentável e competitiva”, aponta Rubens Magno.
O diretor Sebrae/PA enfatiza que o uso das plataformas digitais não apenas amplia a visibilidade, como torna um diferencial competitivo fundamental no cenário atual, permitindo desde a automação de processos até o acesso a novos mercados, com baixo investimento.
A tecnologia estimula a inovação constante, permitindo que os pequenos negócios se adaptem rapidamente às mudanças do mercado e às novas demandas dos consumidores. Estar no meio digital é essencial para a sobrevivência e o crescimento dos pequenos negócios nos dias de hoje
Diante desse cenário de modernização e mudanças tecnológicas, o Sebrae/PA vem realizando capacitação gratuita para pequenos empreendedores com cursos gratuitos voltados para os negócios digitais. Clique aqui e confira. Além disso, há ainda cursos presenciais nas 13 agências do Sebrae/PA, que orientam pequenos empreendedores em soluções na área digital.
O empreendedorismo digital permite atingir um grande público, superando barreiras geográficas e oferecendo soluções inovadoras. É o que tem acontecido com os povos originários, onde conhecimento e saberes da floresta têm caminhado junto com a modernidade. A bioeconomia indígena já é considerada por especialistas como uma estratégia primordial para a proteção da Amazônia. Nesse contexto, tecnologia e tradição caminham lado a lado em uma grande conexão com a comunidade, através do respeito e da preservação da natureza enquanto ao mesmo tempo se promove o desenvolvimento econômico e sustentável local.
Venda de artesanato empodera economicamente mulheres indígenas.
Foto: Andressa Ferreira/DOL
A prova disso é que povos originários hoje estão em plataformas digitais, defendendo seus territórios, levantando suas bandeiras, compartilhando seus conhecimentos, preservando a história, a tradição dos seus povos e mostrando suas vivências para todos. A exemplo está o uso das redes sociais para venda e divulgação de artesanatos indígenas, que contribui não apenas para o impulsionamento da economia e gera renda para famílias dentro da aldeia, mas também desempenha um papel crucial na expressão da identidade de um povo e na preservação florestal através do uso sustentável da biodiversidade amazônica.
Bioeconomia indígena combina saberes tradicionais, cultura e práticas socioambientais. Foto: Andressa Ferreira/DOL
Seja presencialmente ou por meios digitais, a venda do artesanato indígena “é uma forma de empoderar economicamente as mulheres indígenas”, segundo pontua a antropóloga e socióloga Ana Manoela Karipuna.
“É uma forma de ter acesso a uma gestão econômica, que possibilita alimento na mesa, acesso a materiais escolares para os filhos. O artesanato em sua grande maioria é feito com materiais do próprio território, como sementes e fibras. Isto é bioeconomia. Quando uma pessoa de fora adquire um artesanato, ela também adquire um pouco da história daquele povo”, finaliza a antropóloga.
Artesanato indígena contribui para a geração de renda e a preservação da biodiversidade. Foto: Andressa Ferreira/DOL
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