ROTA COMBU APONTA PARA CAMINHOS SUSTENTÁVEIS E EMPODERAMENTO PARA OS POVOS RIBEIRINHOS DA AMAZÔNIA
Às vésperas da COP 30, a Ilha do Combu, em Belém, ganha ainda mais destaque com a criação de uma rota turística sustentável e que valoriza cada vez mais a cultura ribeirinha, fortalece pequenos negócios e aposta em um legado duradouro para o turismo na região
Segunda, 02/06/2025, 09:23
A Ilha do Combu, hoje um dos destinos mais procurados por moradores da região metropolitana de Belém e turistas de várias partes do Brasil, e até do mundo, se prepara para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30) com os olhos voltados para o turismo sustentável, alicerçado na valorização da cultura local e no protagonismo do povo ribeirinho que sente na pele a realidade amazônida, com suas belezas e encantos, mas também as dificuldades de uma região ainda muito carente de recursos básicos.
Distante aproximadamente 15 minutos do centro da capital paraense, a Ilha possui cerca de 1.500 habitantes, segundo dados mais recentes da Prefeitura de Belém, e tem como uma das principais fontes de renda o turismo, especialmente nos últimos anos. O refúgio paradisíaco oferece uma experiência única, com diversos restaurantes escondidos entre canais, rios e igarapés, proporcionando uma imersão na cultura ribeirinha dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA). Todos os dias, e principalmente aos finais de semana, partem dezenas de pequenas embarcações conduzidas por barqueiros locais que transportam os visitantes até os encantos da região por preços módicos que variam de R$ 12 a R$ 15.
Diante desse crescimento excepcional (mas não planejado) do turismo no local, instituições, organizações, órgãos do setor público e os próprios moradores e empreendedores locais se depararam com a necessidade de se adequar à nova realidade que se abriu com a chegada da COP 30 e que trará inúmeras oportunidades para a região, mas que exigirá também cautela com as questões ambientais. O turismo de massa ao longo dos anos passou a fazer parte do cotidiano dos povos ribeirinhos do Combu, no entanto, junto com as oportunidades vieram as preocupações com impactos que esse novo fenômeno de movimentação intensa pode causar à região, potencializado com a proximidade da realização da COP 30, que acontecerá em novembro deste ano em Belém, ocasião na qual o mundo volta às atenções para a capital paraense debater os efeitos das mudanças climáticas.
Foi nesse contexto de necessidade de adaptações climáticas e de investimento em turismo responsável e infraestrutura apropriada para os turistas, mas principalmente para conferir dignidade de vida aos moradores que surgiu o projeto para a elaboração do programa chamado “Rota Combu”, fruto de uma atuação conjunta entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), instituições de pesquisa e, principalmente, com os empreendedores da região.
De acordo com o Boletim de Inteligência de Mercado 2023 - Boletim Turismo, produzido pelo Sebrae no Pará e que analisou as oportunidades e desafios das Regiões Insulares de Belém, até o ano de 2000 eram apenas três estabelecimentos. Em dez anos, já haviam seis, o que representa um aumento de 100%. Já nos últimos dez anos, de 2010 a 2020, ocorreu um aumento de 866,66%, totalizando 32 estabelecimentos.
Em 2023, foram registrados 60 empreendimentos na Ilha. Esses estudos ajudam a nortear um plano de ação para desenvolvimento das competências empreendedoras e das condições de negócios. O turismo de base comunitária é um destaque na ilha, pois é a própria população local que se torna ativa e protagonista de sua própria história, recursos, identidade e destino.
AUMENTO
DO TURISMO NA ILHA




















A ‘ROTA COMBU’
O projeto Rota Combu tem como finalidade estruturar um roteiro permanente de experiência na região, não se restringindo ao turismo gerado com a COP 30. Contemplando 14 empreendimentos na região da Ilha do Combu e nas demais ilhas próximas, o programa busca implementar mudanças duradouras que se mantenham após o evento e deixe retorno para a população. “Nós esperamos que a ‘Rota Combu’ seja duradoura, por isso ela está sendo estruturada e promovida para que seja um legado para Belém, para o Pará e para o Brasil em termos de um turismo de base comunitária e de experiência, com as premissas de valorização da rota, valorização do território, trazendo a vivência das pessoas, dos ribeirinhos. Queremos mostrar uma Amazônia viva, e que está próxima de Belém, a qual as pessoas podem conhecer. Elas poderão fazer um mergulho na natureza em si, e na vida das pessoas, com seus modos de viver e saberes”, explica Jussara Rocha, diretora de Projetos da Raízes, que atua em parceria com o Sebrae na realização do projeto.

Foto/Emerson Coe
Gestora nacional de turismo do Sebrae, Mariana Cavalcante é a responsável pela gestão desse audacioso projeto. Ela destaca que a Rota vem sendo debatida ao longo dos últimos meses, com foco na potencialização de um turismo, que já é pujante na região do Combu há alguns anos. “Ao longo dos últimos meses, nós viemos discutindo mecanismos para potencializar ainda mais o território do Pará, tendo em vista a realização da COP 30 esse ano. Aqui, estarão os holofotes de toda a discussão sobre a sustentabilidade do mundo. E a ilha do Combu, por estar muito próxima, o foco tem sido em como podemos aproveitar esse lugar, que já é tão incrível, as experiências que as empresas oferecem, as histórias que eles contam, a autenticidade que tem na ilha, como que isso é tão bonito e como isso merece ser mostrado para o mundo inteiro”, comenta a gestora.

no Pará. Foto/Emerson Coe
Mariana afirma que tanto o Sebrae-PA quanto o Sebrae Nacional estão debatendo estratégias para o impulsionamento do turismo sustentável na Ilha do Combu, sendo a Rota Combu o fruto do diálogo entre os atores do projeto. “Aqui no Pará, o Sebrae já vem desenvolvendo um trabalho bem legal. Ele já tem várias rotas, como a Rota do Chocolate, entre Belém e a Ilha do Combu. Mas não tinha uma rota específica de todos os empreendimentos e da potencialidade aqui na ilha. E a ideia é criar uma rota muito coesa, complementando a experiência para que o turista sustentável seja muito bem recebido”, argumenta Mariana.
O foco da Rota se concentra também no aspecto comercial e econômico, voltado para a questão comercial dos produtos e negócios realizados no Combu, como uma identidade visual própria do projeto, escolhida pelos próprios empreendedores da região com base em sugestões apresentadas ao longo da construção da iniciativa. A expectativa é levar empresas internacionais de turismo para conhecer a região com o objetivo de que a Rota Combu comece a integrar o portfólio de destinos delas em breve.
O lançamento oficial da Rota Combu está previsto para outubro deste ano, em contagem regressiva para a realização da COP 30, no berço da floresta amazônica.
ROTA COMBU
PROTAGONISMO PARA QUEM VIVE A AMAZÔNIA
A principal característica desse processo de implementação da Rota Combu é a construção participativa e conjunta, envolvendo a colaboração de vários atores – técnicos, comunidade, autoridades – desde as fases iniciais de planejamento até a efetivação da Rota. Esse processo visa garantir que o projeto atenda às necessidades locais, seja mais inclusivo e promova maior sentido de propriedade e pertencimento, resultando em benefícios locais mais resilientes e duradouros.
Diante da iniciativa, os empreendedores da Ilha do Combu se mostram entusiasmados por serem ouvidos durante o processo de diagnóstico da região, como é o caso do empreendedor e morador da ilha, Boaventura Franco Carneiro Junior, proprietário do restaurante Boá na Ilha, que oferece experiências gastronômicas e vivências locais. “Estamos vendo que o turismo já tem crescido bastante na ilha, e agora, para a nossa felicidade, fazemos parte da Rota Combu, que está sendo criada pelo Sebrae com a participação de todos nós, empreendedores da Ilha do Combu. Isso sem dúvidas é muito importante para que um projeto como esse cresça e melhore cada vez mais. Então, é muito importante para a construção de um projeto que as pessoas que têm vivência aqui na ilha, como nós temos, participem ativamente desse processo”, conta Boaventura, animado.

A proprietária do famoso restaurante Eco Saldosa Maloca, Prazeres Quaresma, que desde 1982 administra um dos destinos mais procurados da ilha por turistas de diversas partes do país e do mundo, também ressalta a necessidade de participação dos empreendedores locais na construção da Rota. A empresária conta que ao longo desses 43 anos à frente do restaurante, foram vividas diversas situações e desafios, mas que agora, e principalmente às vésperas da COP 30, ela espera que a ilha siga recebendo as atenções e os recursos que a população necessita. “Nós fomos o primeiro estabelecimento com essa intenção de receber um público vindo da cidade. Havia algumas tabernas aqui na ilha, mas era um outro tipo de comércio. Mas aqui nós abrimos no intuito de receber pessoas vindas de fora, não apenas de fora da ilha, mas de fora da cidade, de fora do Pará. O Combu, que tem toda essa visibilidade hoje, por conta da fábrica de chocolate, da gastronomia, pelo turismo de experiência, é uma ilha que ainda demanda muitos serviços básicos. Então a gente espera que a COP 30 nos deixe esse legado. Água potável, energia de qualidade, internet, etc. Afinal de contas, os turistas vêm para os lugares e eles também querem se comunicar com o resto do mundo e para isso eles precisam de uma internet de qualidade”, aponta a empresária.
Dona Prazeres comenta sobre a necessidade de se repensar o turismo na região, principalmente levando em conta os impactos socioambientais que podem ser causados com o turismo predatório, por exemplo. “Eles estão nos ouvindo e isso é importante, porque eu acho que se nós tivéssemos sido ouvidos antes, o Combu talvez não estivesse como ele está hoje, com um turismo desenfreado, um turismo de massa. Ninguém nunca fez um estudo de capacidade de carga dessa ilha para saber o quanto ela suporta receber turistas. Sendo assim, quando falamos dessa construção, nos referimos a um turismo sustentável, de um turismo que traga pessoas que valorizem a floresta e entendam a necessidade dela. Estamos com grandes expectativas com o Rota Combu e vamos torcer para que dê certo”, pondera, com otimismo.






O transporte até a Ilha do Combu (e dentro dela) é realizado exclusivamente por embarcações e está sob a responsabilidade de cooperativas locais. Formadas integralmente por barqueiros nativos, trabalhadores, todos microempreendedores individuais que têm buscado ampliar seus conhecimentos por meio de cursos e capacitações para recepcionar os turistas na COP 30 e nos anos seguintes, visando aprimorar e crescimento contínuo da região.

Vice-presidente da Coopetrans, cooperativa local de transporte turístico, Ana Alice Mota acredita que a criação da Rota Combu é uma oportunidade de resgatar atividades e práticas que se perderam ao longo dos anos. “Hoje, nós desenvolvemos um turismo biocultural, resgatando aquilo que havia se perdido ou deixando de fazer. Estamos fazendo esse resgate dessa cultura, mostrando as nossas riquezas”.
IMERSÃO NA REALIDADE AMAZÔNIDA
A ampla participação de diversos setores sociais, segundo as organizações que participam da construção do projeto, é essencial para a implantação de um roteiro turístico completo e diversificado, haja vista que a ideia que norteia a Rota Combu é proporcionar uma imersão no coração da Amazônia de uma maneira rápida e simples, na qual o público que vá participar da COP 30 tenha a oportunidade de conhecer de perto a realidade amazônida.
“Um fator que foi determinante para que a COP 30 acontecesse em Belém é para que o mundo possa entender, ao vivo, como o belenense, o paraense convive com a floresta. Compreender como tiramos as nossas frutas da floresta, como que todos os dias o suco de cupuaçu, de bacuri, chega até a mesa desse visitante, e essa rota é uma chance de mostrar isso para o mundo. Então, a Rota Combu vai servir exatamente para isso”, explica o gestor estadual de turismo do Sebrae Pará, Péricles Carvalho.

Foto/Emerson Coe

“O tipo de turismo que a gente desenvolve aqui busca valorizar a essência dos ribeirinhos, trazendo um conhecimento que combine com eles e produza novos saberes. Com isso, nosso objetivo é fazer com que o visitante tenha experiências amazônicas autênticas, para que ele possa conhecer as pessoas que estão por trás do processo produtivo e mostrar todos os usos bioculturais que as pessoas fazem das frutas, como elas usam as lendas, como elas usam os hábitos, os seus costumes, no seu dia a dia, não apenas como uma caricatura para o turista ver. Então, esperamos estar nos preparando para esse trabalho de desenvolvimento de negócios. Preparar novas rotas turísticas para essa região da Ilha do Combu, aproveitando o que já está sendo feito”.
Mário Carvalho
Vida Caboca Turismo e da Filha do Combu Chocolate.
Foto/Emerson Coe
CERTIFICAÇÃO SUSTENTÁVEL
Dentro da construção da Rota Combu estão previstas etapas de capacitação e certificação dos empreendimentos que vão compor esse roteiro turístico, transmitindo os conhecimentos das normas internacionalmente reconhecidas de gestão sustentável dentro do turismo, com o objetivo de apresentar aos empreendedores práticas sustentáveis não requerem um alto investimento, mas sim uma gestão consciente e humanizada.

A capacitação, que será finalizada com a certificação dos empreendedores locais, será feita pela empresa holandesa Green Destination, convocada pelo Sebrae especialmente para a fase de aprimoramento das atividades comerciais e turísticas realizadas pelos moradores do Combu. “O principal objetivo da Green Destinations é apoiar, capacitar e certificar empreendimentos e destinos turísticos. Trazer esse conhecimento para dentro de casa e fazer com que pequenos e médios empreendedores, bem como os municípios, entendam que são capazes e que, muitas vezes, a sustentabilidade não precisa de muito investimento. Nós, da Green Destinations, entramos com a capacitação desses empreendimentos em gestão sustentável. Então, é um trabalho bem redondinho, de começo, meio e fim, que vai ajudar o Combu a ter uma rota consistente, sustentável, de impacto social, impacto ambiental, e que muito provavelmente vai transformar um pouco a visão de como os empreendedores se veem e como os visitantes também veem a ilha”, esclarece a diretora de Sustentabilidade e Comunicação da Green Destinations Brasil, Malu Mayorga.

Foto/Emerson Coe
Além da certificação de sustentabilidade internacional da Destinations Brasil, o Sebrae, ao longo da construção da Rota Combu, irá disponibilizar, pela primeira vez na região, o “Selo Sebrae ESG”. Ele foi constituído a partir da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que estabelece diretrizes e um modelo de avaliação para a incorporação de práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) nas organizações. “Esse selo pode ser bronze, prata, ouro ou diamante. Com o selo, o empreendedor imediatamente, também pela plataforma, irá receber uma jornada empreendedora com produtos do Sebrae. E esses produtos são ações de capacitação, de mentorias, de consultorias. Estamos muito animados, porque a sustentabilidade é a base para a sobrevivência desses negócios. Você tem que ter políticas públicas que garantem leis, organização da sociedade, dessa comunidade, para que a sustentabilidade possa ser um pilar importante, valorizado por essas comunidades”, defende Gilvany Isaac, membro do Comitê Gestor de Sustentabilidade do Sebrae Nacional.
LEGADO DURADOURO
Para a convenção, que acontecerá em um dos pontos mais estratégicos da Amazônia, a capital paraense, são esperadas cerca de 60 mil pessoas, segundo estimativa do Governo Federal, para as duas semanas de conferência. E a Ilha do Combu deve ser o principal destino turístico dos visitantes, especialmente pela proximidade do centro urbano e facilidade de deslocamento, além, claro, do fascínio inevitável de seus rios, florestas e fauna exuberantes que atraem e encantam a todos.
Mas a realização da COP 30 em Belém é apenas o pontapé, a oportunidade que faltava para dar início a um projeto que tem pretensões muito maiores, cujos objetivos visam o desenvolvimento socioeconômico da região e principalmente de seus moradores como principais atores sociais. “A Rota Combu” é mais um projeto de preparação dos empreendedores que atuam na Ilha para a COP 30, mas não só isso. É mais um projeto de legado da COP. Plantamos sementes que darão muitos frutos, com resultados perenes, que já estão sendo vistos por todos, seja na melhoria da infraestrutura da cidade, seja na capacitação de quem empreende ou na divulgação de nosso Estado e de toda a Amazônia nacional e mundialmente. Com isso, o Pará inteiro ganha”, afirma animado o diretor-superintendente do Sebrae/PA, Rubens Magno.

“Por isso, essa COP não é a COP só de Belém, não é a COP só do Pará, e sim a COP da Amazônia, a COP do Brasil”.
Rubens Magno
Diretor Superintendente do SEBRAE/PA.
Foto/Agência Sebrae de Notícias
O projeto conta com a parceria da Prefeitura de Belém através da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semcult), que também vê a Rota do Combu como uma ação contínua de retribuição aos moradores da localidade. “A Ilha do Combu só tem a ganhar com isso, continuando com a potencialização, crescimento do turismo e nas demais ilhas de Belém, visto que somos um destino estratégico. A Rota do Combu trata mais consciência tanto para as populações de Belém que querem conhecer o Combu quanto para os próprios moradores da área e os visitantes de fora da cidade, incentivando ainda mais esse turismo sustentável que já vem sendo realizado”, destaca Thyerry Moraes, diretor de turismo da (Semcult).

Lucas Quirino
Reportagem

Emerson Coe
Multimídia
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