A pioneira do Combu que
transforma o turismo
na capital da COP30

Domingo, 08/06/2025, 07:30

Há 43 anos, uma placa mal escrita chamou a atenção de quem passava de barco pela Ilha do Combu, em Belém. O restaurante, que deveria se chamar “Saudosa Maloca”, foi inaugurado como “Saldosa Maloca”, a letra “L” ao invés do “U”. O erro de grafia, que foi um descuido, acabou por se tornar marca registrada do local. “Minha tia ficou desesperada quando viu o erro na placa e quis corrigir na hora. Mas meu pai disse: ‘Deixa assim. A gente diz que foi de propósito'”, conta Dona Prazeres Quaresma dos Santos, 57 anos, sócia-proprietária do Saldosa Maloca. “E, olha, nada chamou mais atenção do que esse L. Nem a decoração, nem as comidas. As pessoas passavam em suas embarcações, viam o nome e ficavam curiosas. Na volta, paravam para ver o que era. Se tivesse escrito ‘Saudosa’ certo, talvez nem parassem.”

Anos depois, quando participaram de um projeto do Sebrae e o Instituto Europeu de Design quis “corrigir” o logo, ela resistiu: “Um dos consultores disse que achava um absurdo. Aí eu perguntei: ‘Você já viu alguma palavra começar com ‘ç’?’ (risos). Falei para ele: ‘É cultural. A gente quer manter. Senão, não aprova.'” O “L” ficou – assim como tantas outras escolhas que fazem do Saldosa Maloca um caso singular de turismo sustentável na Amazônia.

 

📸 Wagner Almeida / Diário do Pará. Restaurante Saldosa Maloca

O restaurante é o único reconhecido como Eco Restaurante na Ilha do Combu — Área de Proteção Ambiental na região insular de Belém, muito procurada por turistas em busca da experiência de saborear um peixe ou tomar um suco de cacau em meio à floresta. No local, são adotadas diversas práticas sustentáveis, que vão desde a coleta seletiva do lixo até o uso de biodigestores, compostagem e reaproveitamento de óleo de cozinha para a produção de sabonetes e detergentes. Todas essas ações são realizadas no próprio sítio onde funciona o restaurante, uma área herdada dos bisavós de Dona Prazeres.

Antes de abordar a trajetória do restaurante comandado por dona Prazeres, é importante destacar o contexto econômico e cultural da Ilha do Combu, em Belém. A região é conhecida pela combinação entre atividades extrativistas, como a produção de açaí e o cultivo de cacau, e o turismo sustentável, que movimenta a economia local.

A ilha integra a Área de Proteção Ambiental (APA) da Região das Ilhas e é um dos principais polos de visitação da capital paraense. Com aproximadamente 1.500 habitantes, o Combu se destaca pelo número de restaurantes, muitos deles localizados às margens de rios, furos e igarapés, oferecendo uma experiência imersiva a quem visita a região. Belém possui 42 ilhas em seu território, que totalizam 176.566 km² de área continental e 329.934 km² de área insular. Entre elas, a Ilha do Combu tem se consolidado como um destino estratégico para o turismo e o empreendedorismo regional na Amazônia.

Em funcionamento desde 1982, o espaço se tornou referência em turismo sustentável e experiências amazônicas próximas à cidade. Segundo a proprietária, as práticas adotadas são fruto de um respeito à natureza cultivado há gerações em sua família.

“O sítio vem dos meus avós. Já o Saldosa Maloca foi uma criação dos meus pais. Meu avô veio de Portugal, e o outro avô, de Igarapé-Miri. Meu bisavô Frederico chegou ao Combu em 1914. A ideia dele era criar a família em um lugar próximo de Belém, onde os filhos pudessem estudar. Meu pai veio morar aqui com meu avô aos 14 anos. A filha mais velha do meu avô – minha mãe – casou com meu pai e veio morar no sítio onde vivemos até hoje”, contou.

Há mais de 40 anos, o restaurante mantém características semelhantes às de sua origem: simplicidade. Muitos avaliam que o local não passou por um processo de modernização. Dona Prazeres reconhece as críticas, mas defende que segue um modelo próprio de turismo amazônico — uma escolha que, segundo ela, deve ser respeitada.

Ela relembra a infância vivida no local, quando era possível nadar livremente nos rios, e os pescadores conseguiam tirar deles o sustento — algo que, hoje, se tornou mais difícil.

“Quando alguém fala ‘vocês não se modernizaram’, eu me pergunto: o que essa pessoa entende por modernização? Pra mim, ter um biodigestor é ultra moderno. É avanço. Me sinto até à frente do tempo. Só que tem gente que não consegue enxergar isso. E está tudo certo. Nosso foco não é o lazer pelo lazer. Quem oferece lazer precisa pensar se ele é adequado ao lugar. A gente discute muito isso. Hoje, em qualquer reunião, falamos sobre os idosos e as crianças. As crianças perderam o lazer do rio. Na minha infância, diziam que a gente não tinha lazer, mas, pra mim, tínhamos muito mais do que as crianças da cidade. Tomávamos banho de rio todo dia, subíamos em árvores para colher jambo, ameixa… isso era lazer! Hoje, a criança chega aqui e quer celular. Não pode mais entrar no rio por causa das embarcações. A criança ribeirinha não entra no rio para sentar na escada, ela pula do trapiche, ela nada, ela vai na casa do vizinho. E isso se perdeu.”

“O resíduo de origem vegetal nunca foi problema — temos área, fazemos compostagem. Mas o de origem animal... isso é delicado. O cheiro é muito forte e atrai animais. Os biodigestores resolveram isso. Hoje é tudo tratado ali, sem mau cheiro e sem impacto.”

TRANSFORMAÇÃO EM APA TRAZ NOVAS MEDIDAS SUSTENTÁVEIS

Com a transformação da ilha em Área de Proteção Ambiental (APA), em 1997, vieram novos desafios. A criação de porcos, por exemplo, passou a ser regulada, inviabilizando a continuidade dessa prática no restaurante. “A criação não foi totalmente proibida, mas passou a ter exigências… Como não conseguimos atender, paramos”, relata.

O acúmulo de resíduos orgânicos exigiu novas soluções. Uma delas foi a adoção de biodigestores — tecnologia que transforma resíduos de origem animal em gás de cozinha. “Desde então, usamos direto. O resíduo de origem vegetal nunca foi problema — temos área, fazemos compostagem. Mas o de origem animal… isso é delicado. O cheiro é muito forte e atrai animais. Os biodigestores resolveram isso. Hoje é tudo tratado ali, sem mau cheiro e sem impacto.”

📸 Wagner Almeida/Diário do Pará. Dona Prazeres mostrando o biodigestor israelense

Outra medida fundamental veio com a redução do uso de plásticos descartáveis, especialmente após a proibição de canudos plásticos no Rio de Janeiro, em 2018. “Isso acendeu um alerta pra gente. O cliente deixava a garrafinha de água na mesa, o vento batia e jogava no rio. Canudo, o papelzinho que vem no canudo (que nem é papel, é plástico)… tudo voava”, lembra. A solução foi adotar canudos de papel — mesmo custando caro — e abolir as garrafas plásticas, oferecendo água mineral servida no copo.

“Só nessa medida, em um único ano, deixamos de colocar mais de 5 mil garrafas plásticas no meio ambiente”, afirma. Para garantir boa recepção dos clientes, os garçons passaram a explicar a mudança. “Foi super bem aceito. Hoje em dia, vendemos até os copos personalizados. Os clientes adoram levar como lembrança.”

Além disso, o restaurante aprimorou o manejo do lixo, separando e lavando os sacos plásticos antes do transporte até a cidade, uma vez por semana. “Começamos a fazer essa higienização para facilitar o transporte e reduzir o incômodo.”

Agora, o Saldosa Maloca avança para um novo marco ambiental: a captação e o tratamento de água da chuva. “Ela vai passar por um filtro que será instalado, e a gente vai poder beber direto.”

O sistema funcionará em paralelo ao uso da água do rio, que continuará sendo utilizada nos banheiros e chuveiros. Já a água da chuva será usada para preparo e higienização dos alimentos e também para o consumo. “Essa aqui, por exemplo, vai ficar sobre uma grande plataforma. A outra parte será um cilindro que vai fazer todo o tratamento: vai clorar, filtrar e transformar essa água em potável.”

Mesmo com dificuldades e mudanças ao longo do tempo, Dona Prazeres segue firme em sua missão de conciliar tradição e responsabilidade ambiental. “A gente tenta fazer o que está ao nosso alcance. É trabalhoso, mas vale a pena.”

📸 Wagner Almeida/Diário do Pará. Caixa para captação e o tratamento de água da chuva

Desde 2019, o local utiliza biodigestores com tecnologia israelense para o tratamento de resíduos orgânicos, principalmente de origem animal — uma alternativa que reduziu impactos ambientais e melhorou as condições de trabalho.

Antes da implementação, a gestão do lixo era um dos principais desafios. “A gente sempre teve o cuidado de levar os resíduos para a cidade, uma vez por semana. Mas não podia simplesmente deixar no porto, né? Era muito lixo — vidro, papel, plástico”, relembra Dona Prazeres. Durante os anos de maior movimento, entre 2016 e 2018, a produção de resíduos aumentou significativamente. Com a pandemia, em 2020, veio a adaptação: “Começamos a lavar os sacos plásticos da cozinha antes de enviar. Separávamos os resíduos, mas não lavávamos. O cheiro ficava horrível, e era difícil levar isso para a cidade.”

Foi nesse contexto que surgiu a oportunidade de investir em biodigestores. “Em 2019, a presidente da Abrasel nos ligou. Havia representantes de biodigestores com tecnologia israelense em Belém querendo conversar com associados. Eu fui a única interessada, porque na cidade o pessoal não tem espaço. Aqui, não temos esse problema.”

Após análise técnica, ficou decidido que quatro biodigestores atenderiam à demanda do restaurante. “Compramos com recurso próprio. Já conhecíamos a tecnologia, mas antes era inacessível — tudo muito grande ou muito caro. Lembro que, em 2016 ou 2017, apareceu um com tecnologia alemã, trazido pelo Fábio Sicília. Mas era caríssimo.”

A implantação foi rápida. “Os biodigestores que implantamos em 2019 são como se tivessem vida própria. Vêm desmontados, você monta, coloca cerca de 20 a 30 kg de esterco de animal herbívoro, enche com 500 litros de água e, a partir do sétimo ou oitavo dia, começa a produção de gás. No 15º dia, ligamos o fogão que veio junto e… funcionou! Foi emocionante”.

Segundo a empreendedora, a prática representa uma contenção significativa de danos ao meio ambiente: “A gente não faz a mensuração exata, porque não pesamos os resíduos, mas sabemos que conseguimos reduzir em pelo menos 27 vezes o impacto ambiental que teríamos se fosse tudo descartado normalmente. É uma contribuição pequena, mas importante para o equilíbrio climático.”

PARA SABER

Dióxido de carbono (CO₂), Gás Metano (CH₄), Óxido de Nitrogênio (NOx) e outros Compostos Orgânicos Voláteis (COVs) são os principais tipos de gases provenientes do descarte irregular de lixo que contribuem para as mudanças climáticas e produzidos também pela atividade turística.

Produzidos no restaurante, sabonetes e detergentes têm marca própria

O restaurante tem uma característica que o torna único entre os diversos estabelecimentos comerciais da ilha do Combu: os sabonetes e detergentes utilizados são produzidos ali mesmo, com mão de obra local. Trata-se de uma produção simples, mas que contribui para o meio ambiente e ainda movimenta a economia, já que uma lojinha dentro do estabelecimento oferece os produtos com diferentes essências e aromas. Detalhe, os produtos têm marca própria, a “Curupira”, se esse nome estiver escrito nos frascos, quer dizer que se trata de uma produção feita de forma artesanal.

Dona Prazeres explicou como o processo é feito e contou que recebeu o apoio da professora Vânia Neu, que ministrou uma oficina para os empreendedores locais sobre como reaproveitar o óleo de cozinha que, de outra forma, seria descartado no meio ambiente.

“A produção do sabonete e do detergente feitos no local é um processo simples, cuja base principal é o óleo reutilizado da cozinha. Antes de ser usado, este óleo passa por um processo de filtragem para retirada de impurezas. Todo o procedimento segue uma ficha técnica fornecida pela professora Vânia Neu, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), que também foi responsável pela qualificação da equipe por meio de oficinas”, explicou a microempreendedora.

A receita leva, além do óleo, soda cáustica, água e álcool — este último com concentração mínima de 96%. A mistura deve seguir uma ordem específica, pois a sequência dos ingredientes interfere diretamente no resultado final. Após o preparo, é necessário deixar a composição em repouso por, no mínimo, 30 dias, para que os componentes químicos se equilibrem e o produto se torne seguro para o uso.

Nos lavabos do restaurante, os sabonetes são aromatizados com essências regionais, como a de priprioca, muito apreciada pelos clientes, que frequentemente perguntam onde podem encontrar um sabonete com aroma tão diferente. Os produtos também estão à venda na Curupira, a lojinha do próprio restaurante, que oferece diversas opções de fragrâncias. “Quem passa por perto já sente o cheirinho bom”, comenta Prazeres.

Já o detergente segue a mesma base do sabonete, mas sem adição de aromas, para evitar a transferência de cheiro para as louças e alimentos. O produto é utilizado nas pias da cozinha por meio de dispensers e, apesar de ser feito com óleo reaproveitado, não deixa qualquer odor residual. Segundo Prazeres, isso só é possível graças ao tempo de descanso da fórmula, essencial para garantir que os ingredientes se estabilizem.

“A professora Vânia sempre reforça a importância desse tempo de espera. É ele que garante a segurança do uso e a eficácia do produto”, conclui.

Compostagem transforma resíduos vegetais em adubo na Saldosa Maloca

‘Por que você não coloca tudo no biodigestor?’ Porque aqui a gente tem dificuldade pra conseguir terra de boa qualidade. O solo é muito argiloso. Então usamos esse material também para ajudar na horta, pra compor o solo, entende? É um ciclo que a gente tenta fechar.”

Os resíduos vegetais são tratados por meio da compostagem — processo natural de decomposição de matéria orgânica, como restos de alimentos, folhas secas, cascas de frutas, verduras e resíduos de jardim. Esse material se transforma em adubo rico em nutrientes, o composto orgânico. A técnica, usada há bastante tempo no Saldosa Maloca, envolve microrganismos, como fungos e bactérias, além de pequenos invertebrados, como minhocas, que atuam na decomposição em condições adequadas de oxigênio, umidade e temperatura.

“A gente tem que ir usando aquilo que está à nossa disposição, entendeu? Ninguém vai inventar a roda”, afirma a responsável pelo projeto, enquanto apresenta os equipamentos adaptados. Freezers velhos, por exemplo, viraram caixas de compostagem. “Esses aqui são freezers que já não servem mais, não têm mais utilidade pra gente. E aí o que a gente faz? Usa como caixas de compostagem.”

O processo é simples, mas requer atenção. Todo material orgânico de origem vegetal pode ser colocado, como cascas, talos e folhas. “Tem até uma casca de cacau que já se decompôs”, diz, mostrando o conteúdo de um dos compartimentos. “Aqui tem talos de jambu, que demoram um pouquinho mais porque são bem fibrosos. E tem também casca de ovo. Não tem segredo: a gente coloca aqui mesmo.”No entanto, há itens que não devem ser inseridos na composteira. “Esse plástico e esse papel-alumínio, por exemplo, não se decompõem.” Ela mostra os resíduos impróprios e reforça: “Tudo que é orgânico pode entrar aqui — mas só de origem vegetal, tá?”

Uma das etapas mais importantes é o uso da matéria seca, como folhas secas e guardanapos de papel usados para limpar a boca. “O segredo é colocar logo matéria seca. Esse é o segredo. Porque senão fica com mau cheiro, aparece tapuru, mosca… E é isso que a gente precisa evitar.”

Além da produção de adubo, o material também é essencial para compor o solo da horta. “As pessoas sempre perguntam: ‘Por que você não coloca tudo no biodigestor?’ Porque aqui a gente tem dificuldade pra conseguir terra de boa qualidade. O solo é muito argiloso. Então usamos esse material também para ajudar na horta, pra compor o solo, entende? É um ciclo que a gente tenta fechar.”

📸 Wagner Almeida / Diário do Pará. Jardim de dona Prazeres

Outro modelo utilizado é o da composteira do tipo “prosdócimo”, mais prático para quem tem pouco espaço. “Olha, primeiro é a quantidade. A quantidade que você pode colocar aqui é muito maior. Para uso doméstico, por exemplo, dá pra usar até mais de três baldes.” O sistema permite revezar os compartimentos. “Você coloca a composteira e deixa um de lado. Quando terminar esse, você coloca o outro.”

No fim do processo, o resultado é um adubo de alta qualidade, pronto para ser usado. “Esse aqui, gente, já está praticamente pronto pra gente tirar. A gente tira, coa e coloca nas plantas.”

Com poucos recursos, criatividade e consciência ambiental, a compostagem se mostra uma alternativa viável para o aproveitamento de resíduos e cuidado com a terra. Como resume a própria idealizadora: “É algo muito simples. Muito, muito simples. Não tem segredo.”

Projeto de startup alia gestão de resíduos à educação ambiental na Amazônia

 À medida que Belém se prepara para sediar a COP30, em novembro de 2025, iniciativas locais voltadas à sustentabilidade ganham força em comunidades estratégicas, como a Ilha do Combu. Um dos destaques é o projeto da startup Composta Belém, que promove tecnologias acessíveis para o reaproveitamento de resíduos orgânicos — especialmente as composteiras domésticas.

A técnica foi apresentada durante uma oficina realizada no restaurante de Prazeres, que, além de adotar práticas sustentáveis, atua como liderança local. Segundo a empresária e contadora pública Samantha Chaar, CEO da startup, a proposta vai além da prática ambiental: “A importância é justamente incentivar e estimular a comunidade local sobre as boas práticas em relação aos resíduos – tanto orgânicos quanto inorgânicos. Estamos em uma área de preservação ambiental, então nada melhor do que conscientizar a população paraense sobre a responsabilidade com o lixo. Aqui, o resíduo não desaparece sozinho.”

Com apoio do Comitê de Sustentabilidade da Ilha do Combu, a iniciativa leva oficinas práticas para moradores e empreendedores da região. A ideia é mostrar que a compostagem pode ser feita em casa, com materiais simples e de baixo custo. “A compostagem doméstica basicamente envolve o uso de três baldes, que podem ser reaproveitados de panificadoras ou de embalagens de óleo e manteiga. A gente adapta esses baldes cortando as tampas, fazendo furos para aeração e oxigenação”, explica Samantha.

O processo gera dois produtos: o adubo orgânico e o biofertilizante natural. Ambos podem ser usados em hortas, pomares e no enriquecimento do solo. Além do uso próprio, a venda desses produtos se torna fonte complementar de renda. “É uma prática simples, acessível e fácil de implementar em casa”, reforça.

A ideia de trabalhar com composteiras surgiu da experiência pessoal da empreendedora, que também atua no setor alimentício. “No meu restaurante, eu já separava os resíduos secos, mas não fazia o mesmo com os orgânicos, que são os restos de alimentos. Eu gerava de 300 a 400 kg por semana”, conta. A virada de chave veio após uma imersão na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde aprendeu métodos como a leira de aeração passiva e os cilindros de compostagem.

Desde então, a Composta Belém expandiu suas ações para além da Ilha do Combu. Hoje, atua no Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação do Guamá, com apoio de instituições como a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Além da coleta e gestão de resíduos, o projeto oferece oficinas, consultorias e promove ações em escolas públicas e privadas, com foco na formação de uma cultura de reciclagem justa e inclusiva.

Samantha destaca o momento oportuno para ampliar o alcance da compostagem, especialmente em um ano de atenção global às questões climáticas. “A compostagem é uma forma de mitigar a emissão dos gases de efeito estufa. Se cada pessoa fizesse compostagem em casa, já seria um grande avanço para a cidade, considerando que 54% dos resíduos gerados são orgânicos”, pontua.

Questionada sobre a receptividade dos empreendedores da região, a resposta é positiva. “Muitos empresários, comunidades e até grandes companhias já aderiram às nossas ações. A ideia é promover essa transformação ecológica e incentivar a população paraense a adotar práticas de reciclagem justa e inclusiva.”

Ainda assim, ela reconhece os desafios: “O que falta são mudanças de hábito e mais educação ambiental. Essa educação não fez parte da nossa formação escolar, então agora, como adultos, precisamos nos conscientizar e transmitir esse conhecimento às novas gerações”, afirma. “Todos nós somos geradores de resíduos. Precisamos separar corretamente, destinar ao local certo e fortalecer as cooperativas de reciclagem. Quando a gente separa o resíduo orgânico do inorgânico, já estamos contribuindo para uma cidade mais sustentável.”

Da prática à educação ambiental

📸 Emerson Coe / DOL. Ana Cardoso particpou da oficina de compostagem

Aos 61 anos, a professora aposentada Ana Cardoso encontrou na Ilha do Combu, em Belém, o lugar ideal para colocar em prática um modo de vida mais conectado com a natureza — e também mais consciente. Moradora da comunidade há alguns anos, ela é uma das participantes ativas do Comitê de Turismo Sustentável da ilha e esteve presente na oficina de compostagem promovida pelo projeto Compostar Belém.

“Estou muito feliz por participar desse encontro maravilhoso que trata de um dos grandes problemas do mundo inteiro, inclusive aqui na ilha, que é o tratamento dos resíduos”, disse Ana.

Natural de Abaeté, na região da Costa Marataíra, Ana sempre se reconheceu como ribeirinha. Foi essa identidade que a fez criar raízes no Combu. “Quando cheguei, me conectei rapidamente. Aqui encontrei meu espaço. Amo esse lugar e participo de tudo que posso para torná-lo ainda mais bonito para os moradores e visitantes.”

A preocupação com os resíduos sólidos começou como um desafio cotidiano. Sem serviço regular de coleta de lixo, Ana levava seus resíduos até a cidade para descarte. Com o tempo, passou a enxergar o problema como uma oportunidade de transformação. “O tratamento do resíduo é um fator de aprendizagem, de educação. Foi com os cursos do Compostar Belém que aprendi que posso transformar meu lixo em adubo, em riqueza para o solo”, relata.

Hoje, ela utiliza a compostagem doméstica para produzir terra fértil que ajuda a florescer seu espaço e a cultivar frutos. “É assim que construo minha relação com o meio ambiente: com fé e responsabilidade.”

Turismo sustentável como projeto de vida

Ana também é membro ativa do Comitê de Turismo Sustentável do Combu. Mesmo sem ainda ter aberto seu próprio negócio oficialmente, ela já sente o impacto da participação. “Há dois anos venho participando dos cursos, amadurecendo a ideia do meu espaço, a Chácara da Ana. Estou construindo isso com muito cuidado, aprendendo para aplicar as boas práticas no meu futuro empreendimento.”

Segundo Ana, o comitê ajudou a transformar o sonho em algo concreto. “Quem me visita hoje já percebe que faço parte desse movimento por um turismo mais consciente. E isso fortalece a nossa comunidade.”

Turismo sustentável e base comunitária podem coexistir

Apesar do avanço do turismo, especialistas alertam para os impactos negativos provocados pela ausência de planejamento. Segundo a professora Sílvia Helena, pesquisadora da área, ainda não é possível classificar o Combu como um território de turismo sustentável.

Há muitas instalações surgindo na ilha sem qualquer política ambiental. Já vimos relatos de piscinas com cloro sendo construídas, fluxo excessivo de embarcações e poluição sonora. Moradores relatam que as marolas causadas por jet skis viram embarcações ribeirinhas. Isso não é compatível com a proposta de turismo sustentável”, afirma.

Sílvia Helena Professora da Faculdade de Turismo da UFPA.
Foto/Emerson Coe
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Sílvia também defende a criação de um plano de turismo sustentável para as ilhas de Belém, com regras claras e participação das comunidades. “Sem controle, não há sustentabilidade. A responsabilidade é coletiva, envolvendo poder público, empreendedores e moradores locais.”
A professora destaca que a valorização dos recursos naturais e culturais pode impulsionar modelos de turismo de base comunitária. “O Combu reúne elementos como floresta, cultura alimentar e saberes tradicionais. Esses aspectos favorecem iniciativas tanto do setor privado quanto do poder público. O restaurante Saudosa Maloca, por exemplo, foi o primeiro da ilha e já está em transição para práticas mais sustentáveis.”

Ela ressalta que a chegada da COP30 em Belém amplia a visibilidade da região e atrai turistas internacionais interessados em ecoturismo e gastronomia amazônica. “A palavra-chave é prioridade. O poder público precisa colocar o turismo sustentável nas políticas. A COP30 é uma oportunidade, mas o legado só será construído com planejamento e regulação”, afirma.

Potencial das ilhas de Belém e novos modelos turísticos

A Organização Mundial do Turismo define o turismo como uma atividade socioeconômica que envolve deslocamento e gera impactos econômicos e sociais. Sílvia lembra que a região metropolitana de Belém possui dezenas de ilhas, como Cotijuba, Mosqueiro, Outeiro e Ilha Grande, com forte apelo turístico.

“Estamos vivendo um processo de transição. Ainda são ações isoladas, mas o caminho é o planejamento. É preciso diagnosticar os problemas, construir soluções coletivas e envolver todos os atores. Com ações simples, como o uso consciente de materiais e controle da ocupação, já é possível começar a mudança”, conclui.

Em sua primeira visita a Belém, o engenheiro civil Celso Justo, de 74 anos, natural de São Paulo, se surpreendeu com a experiência imersiva proporcionada pela Ilha do Combu. Acostumado a trabalhar com projetos urbanos e áreas de proteção ambiental (APA), Justo destacou aspectos positivos da preservação ambiental no local, mas também apontou fragilidades na estrutura turística da capital paraense.

"O problema da garrafa PET é que é plástico, que demora entre 200 e 500 anos para se decompor".

“Sou engenheiro civil, trabalho com projetos de loteamentos e parcelamento de solo. Então estudo bastante áreas de proteção ambiental, as chamadas APAs. Aqui, por exemplo, é uma APA”, explicou, ao comentar o modelo sustentável aplicado na ilha.

Na visita à Ilha do Combu, Justo esteve no restaurante ecológico Saldosa Maloca, uma construção elevada sobre o rio. “Para mim, isso é uma palafita — embora eu não tenha certeza do termo correto — é um restaurante ecológico”, descreveu. Ele também observou detalhes do funcionamento sustentável do espaço. “Os canudinhos também são ecológicos, tudo voltado para a ecologia. Ouvi dizer que o lixo é usado para fazer gás, deve ser biogás, né?”

Ao comentar sobre práticas sustentáveis como a não utilização de garrafas PET, o engenheiro foi direto: “É a primeira vez que vejo algo assim, e acho interessante. O problema da garrafa PET é que é plástico, que demora entre 200 e 500 anos para se decompor. Então, você acaba fazendo lixões, que precisam ser tratados, e isso é um processo caro. Se tudo fosse biodegradável, a própria natureza ajudaria”.

 

PARA SABER

O setor de turismo é responsável por aproximadamente 8% das emissões globais de gases de efeito estufa. No Brasil, o turismo ocupa a 13ª posição mundial em emissões relacionadas às viagens realizadas por brasileiros e a 12ª posição no turismo receptivo, que contabiliza turistas estrangeiros. Fonte: Revista Nature Climate Change

 

Apesar de sua familiaridade com conceitos ambientais e com o ESG (sigla em inglês para Governança Ambiental, Social e Corporativa), Celso Justo revelou surpresa ao descobrir as práticas sustentáveis presentes na ilha. “Muito diferente. Tanto que eu não tinha planejado vir, mas, quando soube, quis conhecer a ilha por causa disso. Eu não tinha conhecimento de como era.”

A visita a Belém faz parte de um projeto pessoal de Justo: conhecer todas as capitais brasileiras. “Estou fechando todas as capitais do Brasil, faltava só Belém. Agora só faltam os territórios. Quero conhecer o Brasil inteiro”, afirmou. Ele já passou por Aracaju e São Luís neste ano, e relembra experiências anteriores em Manaus, destacando semelhanças climáticas. “O clima aqui é parecido com o de Manaus, úmido e quente, mas aqui é mais ventilado, o clima está muito agradável.”

Entretanto, Justo aponta limitações na estrutura turística de Belém. “Eu acho que Belém não está preparada para o turismo. Falta sinalização, placas indicativas. No hotel, não tem mapa da cidade nem dos pontos turísticos. Na Cidade Velha, onde visitei museus, faltam placas e indicações. Quem conhece, conhece, mas o turista que chega de fora fica perdido”, criticou.

A preocupação com a estrutura também se estende à realização de eventos de grande porte, como a COP30. “Acho que Belém vai faltar hotel, a cidade não está preparada para esse volume de turistas. Mas a iniciativa da COP é muito boa”, afirmou.

Para o turista, os esforços sustentáveis vistos até agora são válidos, mas insuficientes: “Tudo que vi até agora relacionado à sustentabilidade é muito bom, mas é pouco, muito pouco.” Segundo ele, um dos pilares para a transformação está na educação: “Sustentabilidade vem da educação. Sem educação não há sustentabilidade.”

Apesar das críticas, Justo elogiou a experiência de estar próximo à floresta amazônica, algo que já havia vivenciado anteriormente em Manaus. “A Amazônia tem cerca de 80% da terra como área reservada. Você só pode usar 20%. Se seguir a lei, está tudo certo. O problema é seguir a lei, e falta infraestrutura para fazer essa fiscalização e proteção.”

“Vivências imersivas sem comprometer recursos naturais”

O turismo se insere nesse escopo de base sustentável, com a missão de proporcionar uma imersão na floresta amazônica — sempre, é claro, preservando o meio ambiente. E tudo isso só é possível por meio de práticas de turismo sustentável.

De acordo com Péricles Carvalho, analista técnico do Sebrae e gestor estadual de turismo, a proposta do turismo sustentável é promover vivências imersivas sem comprometer os recursos naturais. “O turismo, em sua essência, é o ato de se deslocar para vivenciar o local visitado. Hoje, o visitante busca se sentir parte daquele ambiente, e não apenas observador”, afirma.

📸 Lucas Contente/DOL. Péricles Carvalho é gestor estadual de turismo do Sebrae

Para ele, experiências autênticas fortalecem o impacto econômico e cultural das viagens. “Pintar o rosto em uma tribo indígena, por exemplo, é mais do que uma atividade simbólica — é uma conexão com a história daquela comunidade”, completa.

Sustentabilidade e economia precisam caminhar juntas

O turismo sustentável, segundo Carvalho, exige equilíbrio entre a rentabilidade dos negócios e a preservação ambiental. “Na Ilha do Combu, se o ambiente não for conservado, os empreendimentos turísticos deixarão de existir. A sustentabilidade só funciona quando essas duas frentes caminham juntas”, afirma.

Essa lógica se aplica, por exemplo, à coleta de açaí, cacau e palmito, que depende da floresta para existir. “O nosso trabalho é mostrar como transformar esses recursos em experiências únicas para o visitante. Em apenas 10 minutos, a pessoa sai do centro de Belém e já está dentro da Amazônia — isso é um diferencial competitivo”, destaca o analista.

Moradores precisam dar o exemplo!

Além disso, o comportamento dos próprios moradores influencia o visitante. “O turista se espelha no comportamento do local. Se o nativo joga lixo no chão, o visitante fará o mesmo. Por isso, o empreendedor precisa dar o exemplo”, pontua Carvalho, citando a importância de boas práticas como a coleta seletiva e passeios que respeitem os ciclos naturais.

"Aqui a gente vive o que vende"

📸 Wagner Almeida / Diário do Pára. Turista Lizete Azevedo experimentando produtos da "Curupira"

Moradora do Igarapé Combu, Araceli Alves, de 40 anos, vive cercada pela floresta e por produtos que expressam a força da economia sustentável. Mãe de um filho e morando com os pais na ilha, ela atua como vendedora na loja Curupira, um espaço dedicado à valorização de saberes e produções locais.

Além dos sabonetes, a lojinha vende blusas, cachaças e as famosas biojoias do Combu, feita por moradores locais. Toda a estrutura é comandada pela irmã e sócia de Prazeres, Kely Quaresma dos Santos. O local é bastante frequentado, sobretudo por turistas que chegam no local e querem conhecer um pouco do que lá é produzido.

“Todos os produtos da loja são feitos aqui mesmo, no sítio Saldosa Maloca, da família Quaresma”, explica. Entre os itens vendidos, estão sabões ecológicos, óleos de andiroba, repelentes naturais, licores e argeléias — todos produzidos com matérias-primas da floresta e pelas mãos de moradores da região.

No caso das biojoias, por exemplo, Araceli destaca o trabalho de uma moradora local: “As peças feitas com sementes são produzidas por uma senhora aqui da ilha, a dona Dores Matos. São sementes da região que viram joias”, conta com orgulho.

Filha de mãe peruana, Araceli também se comunica com facilidade em espanhol e acredita que essa habilidade será um diferencial durante a COP 30, quando Belém deve receber visitantes do mundo inteiro. “Já atendo muitos turistas por aqui. Dá pra ter uma comunicação tranquila com quem vem de fora”, afirma. Com experiência anterior em recepção na cidade e também no restaurante da própria ilha, Araceli decidiu retornar para mais perto de casa. “Eu trabalhava como recepcionista em uma clínica, mas saía muito tarde e era perigoso atravessar à noite. Quando surgiu a oportunidade de voltar a trabalhar aqui na loja, aceitei”, relata.

Mesmo com a experiência prática, ela buscou se qualificar. “Já fiz vários cursos no Sebrae, principalmente na área de atendimento e vendas. O último foi de vendas por telemarketing. Isso ajuda bastante no contato com o público.”

Araceli se considera uma vendedora apaixonada pelo que faz, e acredita que seu trabalho é também uma forma de preservar e valorizar a cultura local. “Aqui a gente vive o que vende. Cada produto tem uma história, e mostrar isso para quem vem de fora é uma forma de cuidar da nossa floresta e da nossa gente.”

📸 Wagner Almeida / Diário do Pára. Araceli Alves, moradora da igarapé Combu e vendedora na loja "Curupira"

Turismo regenerativo: o que é e por que importa?

Turismo é um fenômeno com dimensões sociais, econômicas e culturais, envolvendo o deslocamento temporário de pessoas para fora de seu local de residência, motivadas por lazer, negócios ou outros propósitos. Esse sistema abrange uma ampla gama de atividades, serviços e impactos tanto para as comunidades visitadas quanto para os próprios viajantes.

Quando se associa o turismo ao conceito de sustentabilidade, busca-se operar os produtos e serviços turísticos de forma responsável, com respeito à natureza e à cultura local. Dentro desse cenário, surgiu o conceito de turismo regenerativo, que vai além da sustentabilidade.

Turismo regenerativo é aquele em que o turista participa ativamente de ações que visam melhorar o ambiente e o bem-estar das comunidades visitadas. Ou seja, não se trata apenas de minimizar impactos negativos, mas de gerar impactos positivos duradouros.

No Pará, experiências de turismo de base comunitária, como no rio Arapiuns (em Santarém) e na Ilha do Combu (em Belém), já incorporam essa abordagem regenerativa por meio de iniciativas colaborativas que ajudam as populações locais a melhorarem suas condições de vida.

Com a chegada da COP 30, o turismo regenerativo ganha ainda mais relevância, sendo apontado como uma contribuição concreta dos países desenvolvidos para o uso sustentável de recursos naturais, com práticas de turismo de baixo impacto.

No contexto do modelo de bioeconomia que vem sendo proposto para o Pará, o turismo regenerativo desponta como uma importante ferramenta de conservação da floresta e de promoção do bem-estar das comunidades amazônicas.

O professor Álvaro do Espírito Santo, da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), com 45 anos de atuação profissional, explica o conceito de turismo regenerativo, uma abordagem que, embora ainda em pequena escala, já apresenta experiências significativas na Amazônia. Segundo ele, “o turismo regenerativo é uma evolução do turismo sustentável. Ele não se limita a causar menos impactos negativos: ele propõe que a presença do turista possa deixar um legado positivo nas comunidades e no meio ambiente”. Para Álvaro, essa proposta ganha ainda mais relevância no contexto amazônico, onde há uma “riqueza socioambiental única e muitos desafios”. Nesse cenário, o turismo regenerativo pode se tornar “um grande aliado na construção de alternativas econômicas que valorizem o território, o conhecimento tradicional e o modo de vida das populações locais”.

Professor Álvaro do Espírito Santo tem 45 anos de atuação profissional em pautas como o turismo regenerativo

O professor destaca algumas iniciativas no Pará que já seguem essa lógica, especialmente em comunidades ribeirinhas. “As experiências em comunidades ribeirinhas como as do rio Arapiuns, em Santarém, e da Ilha do Combu, em Belém, são referências”, afirma. Nesses locais, os visitantes são envolvidos em práticas que “fortalecem a cultura local, geram renda para os moradores e promovem a educação ambiental”. O papel do turista, segundo ele, é transformado: “O turista não é um mero espectador: ele aprende, compartilha e participa de processos que melhoram, de fato, a vida da comunidade”.

Além disso, Álvaro aponta a conexão direta entre o turismo regenerativo e o modelo de bioeconomia em desenvolvimento no estado. “O modelo de bioeconomia que vem sendo construído no Pará tem como pilares a conservação da biodiversidade e a valorização dos saberes tradicionais”, explica. Dentro dessa perspectiva, o turismo regenerativo se encaixa naturalmente, pois “estimula atividades que geram renda sem destruir a floresta, preservando o meio ambiente e promovendo justiça social”. Para ele, esse é “um caminho promissor para mostrar que é possível desenvolver a Amazônia de forma equilibrada”.

O professor também acredita que a realização da COP 30 pode acelerar esse processo de transformação. “Sem dúvida. A COP 30 é uma oportunidade histórica para o Pará mostrar ao mundo que é possível fazer turismo com responsabilidade e propósito”, afirma. Ele acredita que o turismo regenerativo pode servir como “uma vitrine de boas práticas, capaz de atrair visitantes conscientes e, ao mesmo tempo, fortalecer a luta das comunidades amazônicas por um desenvolvimento mais justo e sustentável”.

Os super-heróis dos rios

“Eu me sinto tipo um Superman mesmo, sabe? Porque a gente protege esse lugar”, é assim que Danilo Silva da Costa, de 21 anos, morador da Ilha do Murutucum, se enxerga ao contribuir para a limpeza das margens e dos rios da região. Ele atua na coleta de lixo fluvial ao lado de outros quatro colegas, todos moradores das ilhas. Para Danilo, além de preservar o meio ambiente, o trabalho deles representa dignidade e responsabilidade.

“Eu comecei nesse trabalho vai fazer um ano agora, no dia 9 de agosto. Moro aqui mesmo, na Ilha Murutucum, com meus pais. Ainda não tenho casa própria e não tenho filhos. Meu pai é pescador, sai pro mato, e eu sou o único com carteira assinada lá em casa. Tento ajudar como posso, comprando comida, farinha… quando as contas não apertam muito, né?”, conta.

A rotina começa cedo. “Na maioria das vezes, eu nem durmo em casa, fico na casa da minha sogra. De lá, encontro os meninos do barco e seguimos juntos. Segunda e sexta, a gente começa lá pelo final do Piriquitaquara e vem descendo até o Combu. Na quarta, a gente pega o lixo lá na frente do Boa Vista. Cada dia é um canto diferente.”

Antes da coleta começar, ele lembra que o cenário era bem diferente. “Tinha muito saco boiando no rio, muita garrafa na beira. Era poluição pra todo lado. E quem não jogava, queimava o lixo — e a fumaça também polui, né? Hoje é diferente. A gente passa limpando, e o pessoal já vai criando consciência. Não jogam mais como antes.”

Apesar de reconhecer que nem todos valorizam o serviço, Danilo diz que muitos moradores agradecem. “Tem gente que elogia, mas tem outros que são ignorantes. Um dia, um cara reclamou porque a gente não avisou ele de trazer o lixo. Mas não é obrigação nossa chamar ninguém. A pessoa tem que ter consciência, igual eu tenho de levantar cedo pra trabalhar.”

Ele reforça que nunca fez nenhum tipo de curso ou capacitação para a função. “É um trabalho simples, mas se tu quer mesmo, tu consegue. Eu botei na cabeça que era isso que eu queria, e hoje tô aqui, firme.”

Com orgulho, Danilo compara seu papel ao de um herói: “Eu me sinto tipo um Superman mesmo, sabe? Porque a gente protege esse lugar. Pode parecer pouco, mas é muito. Agora é difícil tu ver saco de lixo jogado. O povo vê que tem coleta e começa a mudar.”

Para ele, esse trabalho é uma das primeiras etapas para um futuro mais sustentável. “A gente começa com o básico, que é tirar o lixo, e com isso já tá ajudando o planeta, o rio, a nossa casa. Eu tenho certeza de que tô fazendo a diferença.”

Ronaldo Santana Pinho, de 41 anos, nascido na Ilha do Combu, lembra que, durante muito tempo, a coleta de lixo simplesmente não existia na região. “Antes, não tinha nada. A gente via muito saco boiando no rio, dentro do igarapé. Algumas pessoas até cavavam buracos para enterrar o lixo, mas outras queimavam, ou deixavam em qualquer canto, onde a água acabava levando e espalhando os resíduos pelo rio”, conta.

A situação começou a mudar quando a ilha passou a ser mais conhecida, principalmente com a chegada dos restaurantes e o aumento do turismo. Foi então que lideranças comunitárias e cooperativas começaram a se mobilizar. “A coleta só veio por causa da luta dessas pessoas. Elas conseguiram trazer esse serviço pra dentro da comunidade, e isso fez muita diferença”, afirma Ronaldo.

PARA SABER

A empresa Ciclus Amazônia, responsável pela gestão de resíduos sólidos em Belém, realiza a coleta de aproximadamente 140 toneladas de resíduos por mês na Ilha do Combu. Considerando também as áreas adjacentes, a média semanal de recolhimento na região é de 35 toneladas. Fonte: Ciclus Amazônia.

Ele estima que o serviço de coleta estruturado tenha começado há cerca de três anos. Mais recentemente, uma empresa assumiu a coleta e contratou moradores das próprias ilhas para realizar o trabalho. “Foi muito bom. Porque além de melhorar o meio ambiente, ainda abriu portas de emprego dentro da comunidade. O recurso fica aqui, com quem realmente mora e trabalha nas ilhas”, destaca.

Ronaldo demonstra respeito pelo trabalho das pessoas envolvidas na coleta. “É um serviço que muita gente não dá valor, mas que ajuda muitas famílias. Eu admiro essas pessoas, porque elas estão ali querendo manter pelo menos uma parte da nossa comunidade limpa, e fazem isso em prol do lugar onde vivem. Isso é muito importante.”

📸 Wagner Almeida / Diário do Pára. Ronaldo Santana, morador da ilha do Combu

Ele também destaca a presença de jovens no serviço, algo que, segundo ele, mostra que o trabalho tem um impacto educativo. “A gente vê muitos jovens participando disso. E quando vê um jovem trabalhando na coleta, a gente sabe que a empresa está dando oportunidade e, ao mesmo tempo, ajudando eles a criarem consciência sobre a importância de cuidar do meio ambiente.”

Além de morador, Ronaldo também atua como piloto de lancha, extrativista e microempreendedor dono de um estabelecimento, afirma que as pessoas que vêm de fora percebem a limpeza. “Os próprios turistas comentam que é muito bom ver que tem coleta de lixo aqui. Isso mostra que a gente está tentando preservar o meio ambiente. Mudou bastante mesmo.”

Por fim, ele reforça a importância da participação coletiva: “Cada um de nós tem um papel importante dentro da comunidade. Esse trabalho de coleta é só um exemplo de como a gente pode ajudar a melhorar o lugar onde vive.”

Thiago Sarame

Multimídia

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